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quinta-feira, julho 17, 2008

Dez perguntas para o economista André Urani

O verdadeiro compromisso, a verdadeira responsabilidade, a intensa conscientização com “o social” ficará ausente, de forma desproporcional, até quando?
Bem, achei essa entrevista, abaixo, interessante e a deixo, aqui, num sentido de compartilhar com quem é apreciador de bons conteúdos.
É isso aí...
Paz e bem,
Sandra Valeriote

Em seu livro Trilhas para o Rio: do Reconhecimento da Queda à Reinvenção do Futuro, o economista ítalo-carioca André Urani, conselheiro do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), afirma que o ápice da decadência da cidade aconteceu nos anos 80, com a falência de várias indústrias. Hoje, porém, ele vê saídas para a metrópole, que a seu ver deve se reinventar — como fizeram Londres e Barcelona, por exemplo — e buscar sua vocação como centro de serviços e cultura.

1. O carioca não conhece as dimensões dos problemas da cidade?

Deveria conhecer mais. Existe uma inércia e alguns fatores explicam isso. O primeiro é a beleza do Rio. Viver num lugar escandalosamente bonito nos distrai dos problemas. Se morássemos numa cidade feia, seria mais fácil buscarmos soluções. A beleza da Zona Sul nos impede de olhar para o subúrbio, uma região abandonada do ponto de vista econômico. E temos de reconhecer que os problemas locais são nossos. Não adianta culpar os outros.
2. Quais são os principais pontos a ser resolvidos?

Há três questões na raiz de tudo: desigualdade, desordem e desperdício. O Rio tem uma desigualdade abismal entre pobres e ricos. Existe a desordem em moradias, transportes e trabalho, que se reflete em desemprego e informalidade. E por fim há um desperdício inacreditável. Tudo se joga fora: belezas naturais como a Baía de Guanabara, o talento das pessoas...
3. Quando a situação saiu de controle?

Nos anos 60 perdemos a capital para Brasília e a liderança econômica para São Paulo, mas o golpe de misericórdia veio na década de 80. A indústria afundou e perdemos todo o setor financeiro. Quando as fábricas começaram a falir, seus empregados, que moravam em parques proletários ao longo da Avenida Brasil, foram abandonados à própria sorte. Vigário Geral é um exemplo da favelização do período.
4. O que é necessário para que se pense em estratégias de longo prazo?

Esta é uma questão difícil. Falar e escrever um livro já são tentativas de mobilização, de ver se cai a ficha na cabeça das pessoas. Já ouvi que o diagnóstico que faço é paralisante. Mas é só para quem não tem fantasia, criatividade. Claro que eu acredito. É por isso que vivo aqui, com os meus três filhos.
5. Existem bons exemplos para o Rio?

Toda grande cidade do Ocidente atravessou crise semelhante. Londres foi a primeira metrópole industrial do mundo, mas hoje apenas 8% da população trabalha na indústria. Há trinta anos, Barcelona tinha um porto decadente, gangues e tráfico de drogas. Hoje, a cidade aposta tudo na criatividade. É necessário transitar para um novo modelo. As cidades estão se especializando.
6. E qual seria a especialização do Rio?

Serviços, qualidade de vida, festas, música, cultura, por exemplo. A indústria não pode mais ser o carro-chefe. Esse modelo morreu. Há alguns anos, fiz um convite para a Benetton instalar uma fábrica no Jacarezinho. Seria muito simbólico ter uma marca colorida, inventiva e jovem lá. Oferecemos mundos e fundos. Infelizmente, eles não toparam.
7. Como transitar para um novo modelo?

O talento tem de ser usado e não desperdiçado. E não depende só do governo. A iniciativa privada deve ser aproveitada. Voltando ao exemplo do subúrbio: concessionárias de serviços públicos teriam o maior interesse na revitalização daquele território, assim como redes de supermercados e grupos de construção. Seria um novo universo de negócios, com o qual eles muito poderiam ganhar.
8. Já foram dados passos nessa direção?

Sim, embora ainda não tenham a característica de um processo de longo prazo, sistêmico. Existem coisas boas sendo feitas e devemos comemorar, mas não sei o fôlego disso. Meu medo é que a gente se iluda que isso basta. E não basta. Falta organizar o jogo, compartilhar informação, para que tudo seja feito de forma mais harmônica e eficiente.
9. Isso cabe só ao governo?

Temos a cultura de depositar todas as fichas no governo, mas a agenda tem de estar nas mãos dos setores civil e privado. Se deixarmos na mão do governo, a cada mudança de cargo vamos dar com os burros n’água. Não dá para as coisas serem destruídas e recomeçadas só porque foi o outro que fez. Temos de sair da lógica individualista para a coletiva.
10. Em quanto tempo se faz uma mudança desse porte?

Melhoramos nos últimos dois ou três anos, mas é preciso ficar claro que se trata de um trabalho de muitos protagonistas e não de um super-herói que assuma algum cargo executivo. É preciso estratégia de longo prazo. Em dez anos, já veríamos muitas mudanças. Em vinte, teríamos ótima qualidade de vida.

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